quinta-feira, maio 13, 2010

Breve Comentário de Eclesiastes 12.1-8



Tradução literal


1. E lembra-te do teu Criador nos dias da tua juventude, antes que suceda os dias da desgraça e cheguem os anos dos quais dirás: “Não sinto neles prazer”.
2. Antes que se escureçam o sol e a luz, a lua e as estrelas, e voltem as nuvens depois da chuva.
3. No dia que tremerem os guardas da casa e curvarem-se os homens de força, quando folgarem do trabalho as moedoras, por serem poucas; e obscurecerem-se os olhos dos que olham pela janela;
4. quando se fecha a porta da rua e o barulho do moínho baixa, quando se acorda ao cantar do pássaro e as filhas do cantar enfraquecem.
5. Quando se teme a altura e se sentem pavores no caminho; quando florescer a amendoeira, o gafanhoto andar se arrastando e a alcaparra estalar, é porque o homem já está a caminho de sua morada eterna, e os que o pranteiam vagueiam pela rua.
6. Antes que se rompa a corda de prata e se quebre a taça de ouro, e se quebre o jarro junto a fonte e a roda se quebre na cisterna,
7. quando retornar o pó a terra, como era, e o espírito retornar para Deus que o deu.
8. Vaidade das vaidades – diz Qohelét – tudo é vaidade.

Nota introdutória

O capítulo 12 contém uma emocionante “Alegoria à Velhice”. Aqui, a maioria dos comentaristas entende que a perícope pretende descrever a progressiva debilidade e decadência do homem na velhice, porém, há mutias discordâncias nos detalhes. Muitas orações não parecem ser alegóricas, mas soam mais autênticas se forem entendidas como uma descrição literal, eufemista, da situação do “velho”. Adicionalmente, o que seria o significado dessas alegorias, soa um tanto obscuro.

Alguns comentaristas, afirmam que algumas frases descrevem a perda da força num órgão específico do corpo (Talmude, B. Shab. 152a; Midrash; Ibn Ezra). Em apoio a essa interpretação, o Talmude, loc. cit., cita o Rabino Joshua ben Hananiah e a descrição de sua própria situação: “A montanha é neve, isto é, cercada pelo gelo, os cães não latem mais e os moedores não móem”. A passagem talmúdica lida com figuras como “neve e gelo”, cada uma simbolizando a velhice; por isso, a falta de “latido” e “moedores” sugere o enfraquecimento da voz e a perda dos dentes. Isto empresta ajuda para a interpretação de 12:3 somente, não para os demais versos. Enquanto a interpretação alegórica parece plausível, ou até mesmo possível, em alguns versos isso é forçado e o poder poético da seção é gravemente afetado.

O devanecimento da vida é descrito como a chegada de uma tempestade, enquanto o lar do idoso é preenchido de terror que tenta, infrutiferamente, superar o medo do fim. Essa “Alegoria a Velhice” serve de alerta para percebermos a transitoriedade da juventude e da vida.
Comentário

Cap. 12:1 - “E lembra-te do teu Criador nos dias da tua juventude, antes que suceda os dias da desgraça e cheguem os anos dos quais dirás: “Não sinto neles prazer”.

Aqui se inicia impropriamente outro capítulo. O verso 9, do capítulo 11, é o princípio da narrativa que se segue, e que também muda de direção os discursos anteriores. Podemos afirmar isso através da conjunção “waw” (que está no princípio do texto ( “E” lembra-te), que serve de conectivo com o texto anterior. Há na primeira frase do texto um interessante jogo de palavras, trazido no plural. A palavra boréyar é igual a yshym como uma desiginação do Criador ysheh. O Yod foi deletado na base de vários manuscritos por S. Baer, para forçar a tradução no singular, mas isso não era necessário. A tradução feita no singular não é uma evidência da ortografia sem o Yod, tanto que o Texto Massorético é atestado por todos os demais manuscritos do Antigo Testamento. Para fazer isso S. Baer seguiu uma orientação própria. A forma que conhecemos, com Yod, geralmente sugere a grandeza e majestade de Deus (plural majestoso) e é usada em outras referências ao “Criador” em Jó 35:10, Is 54:5, Sl 149:2, Jó 35:10 e no Midrash Gen. Rab., Cap. 10. Num livro tão recente como o Eclesiastes, isso não pode nos surpreender, desde que não seja totalmente estranho para a linguagem pós-bíblica. Por isso, vimos que a expressão no singular, como uma designação do Criador, também é autorizada pelo Mishná (e.g. Horajoth iii, 3; Nedarim x. 4) que interpreta assim essa combinação de palavras. A palavra “juventude” também está no plural, mas traduzí-la literalmente soaria estranho na língua portuguesa, sendo preferível que esta também esteja no singular. Esse tipo de resolução não afeta em nada a mensagem original, que, com efeito, seria óbvia tanto no plural quanto é no singular.

Alguns eruditos alteram Criador boréyar para significar “bem” (bwrr), fazendo a passagem referir-se figuradamente à fidelidade no casamento (cf. Pv 5:15-18). Falta evidência para isto nos manuscritos. Além do que já vimos acima, passagens paralelas (Dt 8:18; Ne 4:14), a gravidade da ordem (vers. 2-6), o contexto religioso (cf. 11:9; 12:13s.), tudo exige que a tradução seja Criador.

Finalmente, podemos agora dizer que o homem não deve procurar apenas seu bem-estar (11:1ss) mas, principalmente Aquele que o criou. Combinam-se a aptidão e a obrigação. Retrata-se a fragilidade crescente do homem numa série de quadros.

A linguagem vívida “deu origem aos mais selvagens vôos de interpretação imaginosa” (Hertzberg). Gordis está correto ao afirmar que “aqui se retrata a velhice, sem que haja uma linha de pensamento constante”. Quer isto dizer que os quadros agrupam-se em duas categorias: as duas imagens do versículo 2 poderiam bem ser dois aspectos de uma tempestade, enquanto os versículos 3s. permanecem juntos como retrato de uma casa decadente. Agora os dias são maus, cheios de fraqueza, de desamparo na velhice, de perceptível falha da força física e mental; e, paralelo a isso, estão aqueles anos dos quais nós nos tornamos capazes de falar: “Não sinto neles prazer”.

Ver. 2 - “Antes que se escureça o sol e a luz, a lua e as estrelas, e voltem as nuvens depois da chuva.”

Percebemos agora o ar frio do inverno, enquanto a chuva persiste e as nuvens transformam a luz do dia em penumbra, e, então, a noite em trevas. Para M. Eaton é desnecessário arranjar interpretação para sol... luz... lua... estrelas.... A idéia geral é clara: A imagem costumeira do VelhoTestamento para trevas como capacidade decrescente para desfrutar a alegria. De modo semelhante, o retorno das nuvens provavelmente se refere à sucessão contínua de tristezas. Porém, Delitzsch descreve aqui uma alusão aos espírito, à luz do auto-exame, à alma e aos cinco sentidos! Retomando à Nota Introdutória, vamos levar em conta comentários que afirmam que, algumas frases se referem a perda de força em órgãos específicos do corpo humano (e outras circunstâncias que geram uma certa depressão).

A. O sol se refere ao brilho do rosto ou da testa. “A luz” são os olhos ou o nariz (Targum). “A lua” são as bochechas ou a alma (Targum). “As estrelas” são os globos oculares (Targum) ou as bochecas (Talmude Rashi).

B. O céu escuro é prenúncio de tempestade.

C. Tomando literalmente – “Para o velho, o mundo prossegue na escuridão porque mesmo depois da chuva, não é o sol, mas, as nuvens que vão surgir”.

Ver. 3 - “No dia que tremerem os guardas da casa e curvarem-se os homens de força, quando folgarem do trabalho as moedoras, por serem poucas; e obscurecerem-se os olhos dos que olham pela janela” O quadro revela, agora, sintomas da velhice. Os guardas da casa sugerem a falta de capacidade do velho se proteger de ameaças externas, ou referindo-se a fraqueza em seus braços. Os homens de força parecem referir-se às pernas, que em outra passagem relacionam-se com força (Sl 147:10). As moedoras são os dentes que caem na velhice; os olhos dos que olham pela janela identificam os olhos que escuressem-se na idade avançada.

Nesta passagem, também seria muito interessante repetir da Nota Introdutória a interpretação talmúdica do Rabino Joshua ben Hananiah, em sua descrição, quanto à perda de forças na velhice: “A montanha é neve, isto é, cercada pelo gelo; os cães não latem mais e os moedores não móem”. A passagem talmúdica lida com figuras como “neve e gelo”, cada uma simbolizando a perda de forças e a velhice, por isso, a falta de “latido” e de “moedores” sugere o enfraquecimento da voz e a perda dos dentes.

Ver. 4 - “quando se fecha a porta da rua e o barulho do moínho baixa, quando se acorda ao cantar do pássaro e as filhas do cantar enfraquecem”.

É possível que o quadro do casarão em decadência “deveria ser analisado em sua integridade, e não laboriosamente desmembrado nas metáforas que o constituem” (Kidner). Como dito anteriormente, há muita diversidade na interpretação dos detalhes.

Depois dos olhos e da boca, procedemos para o ouvido e a repugnância do velho com qualquer som que perturbe seu descanso. Quando se fecha a porta da rua e o barulho do moínho baixa (...) e as filhas do cantar enfraquecem, alude a sua fraca audição, porém, o velho, em seu descando, acorda ao cantar do pássaro, pois tem o sono tão leve que até mesmo o pipilar dos passarinhos o despertará. Mesmo com a audição prejudicada é plausível que o quadro se refira ao despertar erraticamente, de madrugada.

Ver. 5 - “Quando se teme a altura e se sentem pavores no caminho; quando florescer a amendoeira, o gafanhoto andar se arrastando e a alcaparra estalar, é porque o homem já está a caminho de sua morada eterna, e os que o pranteiam vagueiam pela rua”.

Suspende-se por algum tempo o uso de imagens: o velho tem medo de altura e de viagens. A amendoeira que floresce diz respeito ao cabelo que se torna cinzento, e depois prateado. O gafanhoto andar se arrastando refere-se ao caminhar difícil e até incerto dos anciãos. A alcaparra estalar indica a falta de apetite ou de paladar na velhice; a alcaparra aparentemente era um estimulante dos apetites físicos, talvez até afrodisíaco, possivelmente referindo-se à falta de interesse sexual dos idosos.

Enfim, a explicação do porque dessa decadência sistêmica: o homem já está a caminho de sua morada eterna, assim a morte é o clímax de um processo que se inicia na vida, no nascimento. Por último, os que o pranteiam vagueiam pela rua, enfatizando a tristeza de todos os homens que está, inevitavelmente, ligada ao mesmo processo até a morte.

Ver. 6 - “Antes que se rompa a corda de prata e se quebre a taça de ouro, e se quebre o jarro junto a fonte e a roda se quebre na cisterna” O advento da morte é pintado metaforicamente neste verso.

De acordo com a maioria dos comentaristas, duas figuras são empregadas: uma taça e uma fonte. A taça (ou bola - Delitzsch, ou lâmpada - Gordis) de ouro, segura por uma corda de prata é estilhaçada quando esta se rompe, e seu brilho desaparece. A imagem pode ser baseada em Zc 4:2-3. A segunda figura apresenta o quebrar do jarro junto a fonte, fazendo com que a roda se estilhace na cisterna.

Abraham Ibn Erza, argumenta convincentemente que aqui há somente uma figura, onde a corda está amarrada à roda. Uma ponta da corda está amarrada no jarro, a outra na taça (para essa interpretação a palavra bola seria mais coerente, assim a utiliza o comentarista) de ouro, como contrapeso. Quando a corda se rompe, bola, jarro e roda caem e quebram.

Algumas identificações mais detalhadas são propostas: a corda de prata é a língua (Targum) ou a espinha (Rashi Ha Levi), ou a alma (Delitzsch). A taça de ouro é a medula (Targum Ha.) ou a cabeça (Delitzsch). O jarro é o fígado (Targum), ou o estômago (Rashi Ha Levi), ou o coração, e a roda é o corpo (Targum) ou o globo ocular (Rashi Ha Levi).

Todas essas equivalências estão longe de serem conclusivas, não somente por causa de tantas variações, mas porque tornam a passagem excessivamente prosaica.

Além disso, desde que o verso segue a referência “morada eterna” (v.5), devemos aceitar que ele só se refira à morte, isso é preferível à referência a detalhes específicos.

A “Alegoria à Velhice” é utilizada no apocalipse siríaco de Baruc para descrever a decadência do mundo: “A juventude do mundo é passado e a força da criação já está exausta, e o advento dos tempos está próximo, sim, ele vai acontecer. O jarro está perto da cisterna, o navio do porto, e o curso da jornada ruma para a cidade, e a vida para a sua consumação” (II Baruc 85:10).

Ver. 7 - “quando retornar o pó a terra, como era, e o espírito retornar para Deus que o deu”.

O verso reflete a familiaridade de Qohelét com a Torá, baseando-se obviamente em Gn 2:7 e 3:19. A estrutura paralela da passagem inteira torna possível assumir que essa parte (parte b do verso) é uma interpolação, enquanto a supressão do verso inteiro poderia privar o poema de um impressionante desfecho.

A alegoria, que se inicia com uma exortação “lembra-te do teu Criador”, termina com o retorno do espírito do homem a Deus “que o deu”. Aqui Qohelét não pode negar que a vida vem de Deus e a Ele pertence, portanto, a Ele retornará.

Ver. 8 - “Vaidade das vaidades fala Qohelét é tudo vaidade”.

A decadência e a morte trazem Qohelét de volta às suas primeiras palavras. O fenômeno da morte é o exemplo supremo de reino terrenal, aquilo com que o Qohelét começou (1:2). Tendo aprovado sua tese, seu trabalho chega ao fim.

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