terça-feira, dezembro 22, 2009

Árvore de Natal já foi pomo da discórdia entre católicos e protestantes

Durante séculos, o símbolo natalino foi distintivo entre católicos e protestantes, estes inicialmente depreciados como adeptos da "religião da árvore de Natal". No século 19, o costume se tornou transconfes-
sional.


A aconchegante cena faz bater mais forte os corações dos protestantes da Alemanha: Martinho Lutero sentado, ao lado de sua família, numa confortável sala, em torno de uma pequena árvore de Natal decorada.

Lutero e família na noite de Natal de 1536, em Wittenberg: assim o artista Carl August Schwerdgeburth, de Weimar, intitulou sua gravura. Porém o quadro que o tornou conhecido no século 19 não passa de uma mentira.


Difundida pela guerra

"Lutero jamais se sentou sob a árvore de Natal", sentencia o etnólogo Alois Döring, de Bonn. Pelo contrário: o reformador alemão nem mesmo conhecia esse símbolo, pois os primeiros registros de uma festa com um pinheiro decorado remetem ao final do século 16, quando a autoridade de uma localidade da Alsácia mandou montar a primeira árvore de Natal.

A coisa só virou moda na Alemanha pelos idos de 1800, quando as famílias protestantes passaram a adotar o pinheiro como decoração caseira para o Natal. E mais tarde declararam tratar-se de uma boa e velha tradição luterana.

"Os católicos zombavam do culto a Lutero da mesma forma que do costume da árvore de Natal", explica Döring. Aliás, uma das expressões sarcásticas com que denominavam o protestantismo era "a religião da árvore de Natal".

Mas isso não durou muito tempo, pois já no fim do século 19 o pinheirinho também conquistaria as salas de estar católicas. Decisiva para sua difusão foi a guerra franco-prussiana de 1870, conta o etnólogo. "Na época, por ordem das lideranças militares [alemãs], árvores de Natal foram dispostas nas trincheiras, como sinal dos laços com a pátria."

Ao que tudo indica, a ideia espalhou-se rapidamente pelo mundo. Pois a primeira árvore pública, exposta numa praça e enfeitada com guirlandas, foi registrada no Natal de 1910, não na Alemanha, mas sim em Nova York. Com a propagação do símbolo para além dos limites das confissões, desapareceu gradualmente a lenda de Martinho Lutero.


Lenda do paganismo

Em compensação, até hoje circula o boato que esse costume da árvore decorada proviria de culto pagão. Ledo engano. Segundo pesquisas mais recentes, a árvore natalina viria dos autos medievais sobre o Paraíso, onde, no dia 24 de dezembro, se erguia a "Árvore do Bem e do Mal", sob a qual era encenada a queda de Adão e Eva.

"Do lado que simbolizava a Redenção, a árvore era enfeitada com maçãs e outras guloseimas; do outro lado, pecaminoso, não havia nada", descreve o estudioso de Bonn.

Após os cultos religiosos, os fiéis podiam se servir da decoração. E nesse caso, assim como nos "autos do Presépio" e nas festas a São Nicolau, muitos católicos deixavam de lado a moral e os bons costumes.

A Martinho Lutero desagradava o apelo sensorial da adoração dos santos na Igreja Católica. Ele queria recolocar Jesus Cristo no centro das festividades, e por isso inventou a figura do "Cristo Sagrado", em concorrência a São Nicolau. E durante muitos anos, nas regiões protestantes da Alemanha, era o "Cristo Sagrado" a presentear as crianças, acompanhado por anjos.


Avanço do ecumenismo

No decorrer dos séculos, a figura se transformou no angélico "Menino Jesus", lembra Döring. Mas como essa imagem talvez fosse infantil demais, criou-se no século 19 o Papai Noel, uma espécie de "Nicolau remodelado". Hoje não é mais possível dizer se essa figura nasceu da fantasia dos protestantes ou dos católicos.

"Muitos de nossos costumes natalinos são, hoje, transconfessionais", afirma Alois Döring. Justamente na época do Advento e do Natal, o etnólogo tem observado, nos últimos anos, numerosas ações ecumênicas; católicos e protestantes promovem concertos e festas em conjunto.
"As Igrejas reconheceram que têm que fazer algo, se é para o Natal ser mais que consumo, vinho quente e luzes decorativas", diz Döring. "E isso funciona melhor quando se trabalha junto, e não em concorrência."

Autor: Sabine Damaschke (av)
Revisão: Simone Lopes

Fonte: Deutsche Welle