terça-feira, dezembro 15, 2009

BREVE ESTUDO SOBRE AS BEM-AVENTURANÇAS DO SERMÃO DO MONTE – MATEUS 5.3-5

PARTE II – AS BEM-AVENTURANÇAS (Continuação)

"3 Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus.
4 Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados.
5 Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra."

Agora vamos examinar detalhadamente as bem-aventuranças. Diversas tentativas de classificação foram experimentadas. Talvez a divisão mais simples seja considerar as quatro primeiras descritivas do relacionamento do cristão com Deus, e as outras quatro, do seu relacionamento e deveres com o próximo.

1. Os humildes de espírito (v.3)

O Velho Testamento fornece os antecedentes necessários para a interpretação dessa bem-aventurança. No princípio, ser “pobre” significava passar necessidades literalmente materiais. Mas, gradualmente, porque os necessitados não tinham outro refúgio a não ser Deus, a “pobreza” recebeu nuances espirituais e passou a ser identificada como uma humilde dependência de Deus. Por isso o salmista intitulou-se “este aflito” que clamou a Deus em sua necessidade, “e o Senhor o ouviu, e o livrou de todas as tribulações”. O “aflito” (homem pobre) no Velho Testamento é aquele que está sofrendo e não tem capacidade de salvar-se por si mesmo e que, por isso, busca a salvação em Deus, reconhecendo que não tem direito à mesma. Esta espécie de pobreza espiritual foi especialmente elogiada em Isaías (Is 41:17,18). São “os aflitos e necessitados”, que “buscam águas, e não as há”, cuja “língua se seca de sede”, aos quais Deus promete abrir “rios nos altos desnudos, fontes no meio dos vales” e tornar “o deserto em açudes de águas, e a terra seca em mananciais”. O “pobre” foi também descrito como o “contrito e abatido de espírito”, para quem Deus olha (embora seja “o Alto, o Sublime, que habita a eternidade, o qual tem o nome de Santo”), em com quem se deleita em habitar (Is 57:15; 66:1,2). É para esse que o ungido do Senhor proclamaria as boas novas da salvação uma profecia que Jesus conscientemente cumpriu na sinagoga de Nazaré: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu, para pregar boas-novas aos quebrantados” (Mt 11:5). Mais ainda, os ricos inclinavam-se a transigir com o paganismo que os rodeava; eram os pobres que permaneciam fiéis a Deus. Por isso, a riqueza e o mundanismo, bem como a pobreza e a piedade, andavam juntas.

Assim, ser “humilde (pobre) de espírito” é reconhecer nossa pobreza espiritual ou , falando claramente, a nossa falência espiritual diante de Deus, pois somos pecadores, sob a santa ira de Deus, e nada merecemos além do juízo de Deus. Nada temos a oferecer, nada a reivindicar, nada com que comprar o favor dos céus.

“Nada em minhas mãos eu trago,
Simplesmente à tua cruz me apego;
Nu, espero que me vistas;
Desamparado, aguardo a tua graça;
Mau, à tua fonte corro;
Lava-me, Salvador, ou morro”.


2. Os que choram (v.4)

Que espécie de tristeza é essa que pode produzir a alegria da bênção de Cristo naqueles que a sentem? Está claro no contexto que aqueles que receberam a promessa do consolo não são, em primeiro lugar, os que choram a perda de uma pessoa querida, mas aqueles que choram a perda de sua inocência, de sua justiça, de seu respeito próprio. Cristo não se refere à tristeza do luto, mas à tristeza do arrependimento.

Este é o segundo estágio da bênção espiritual. Uma coisa é ser espiritualmente pobre e reconhece-lo; outra é entristecer-se e chorar por causa disto. Ou, numa linguagem mais teológica, confissão (arrependimento) é uma coisa, contrição (remorso) é outra.

Precisamos, então, notar que a vida cristã, de acordo com Jesus, não é só alegria e risos. Há cristãos que parecem imaginar, especialmente se estão cheios do Espírito, que devem exibir um sorriso perpétuo no rosto e viver continuamente exuberantes e borbulhantes. Que atitude antibíblica! Na versão de Lucas, Jesus acrescentou a esta bem-aventurança uma solene advertência: “Ai de vós os que agora rides!” A verdade é que existem lágrimas cristãs e são poucos os que as vertem.

Jesus chorou pelos pecados de outros, pelas amargas conseqüências que trariam no juízo e na morte, e pela cidade impenitente que não o receberia. Nós também deveríamos chorar mais pela maldade do mundo, como os homens piedosos dos tempos bíblicos. “Torrentes de águas nascem dos meus olhos”, o salmista podia dizer a Deus, “porque os homens não guardam a tua lei” (Sl 119:136). Ezequiel ouviu o povo de Deus descrito como aqueles que “suspiram e gemem por causa de todas as abominações que se cometem no meio (de Jerusalém) Ez 9:4). E Paulo escreveu sobre os falsos mestres que perturbavam as igrejas do seu tempo: “Pois muitos andam entre nós... e agora vos digo até chorando, que são inimigos da cruz de Cristo” (Fp 3:18).

Mas não são apenas os pecados dos outros que deveriam nos levar às lágrimas, pois temos os nossos próprios pecados para chorar. Será que Paulo errou ao gemer: “Desventurado homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” e quando escreveu à pecadora igreja de Corinto: “Não chegastes a lamentar?” (Rm 7:24; I Co 5:2; cf. II Co 12:21). Não existe suficiente tristeza por causa do pecado entre nós.

Tais pessoas que choram, que lamentam a sua própria maldade , serão consolados pelo único consolo que pode aliviar o seu desespero, isto é, o perdão da graça de Deus. “O maior de todos os consolos é a absolvição enunciada sobre cada pecador contrito que chora”. “Consolação” de acordo com os profetas do Velho Testamento, seria uma das missões do Messias. Ele seria "o Consolador" que curaria "os quebrantados de coração" (Is 61:1; cf. 40:1) Por isso, homens piedosos como Simeão esperavam ansiosos "a consolação de Israel" (Lc 2:25). E Cristo derrama óleo sobre nossas feridas e concede paz às nossas consciências magoadas e marcadas. Mas ainda choramos pela devastação do sofrimento e da morte que o pecado alastra pelo mundo inteiro! Só no estado final de glória o consolo de Cristo será completo, pois só então o pecado não existirá mais e "Deus lhes enxugará dos olhos toda lágrima"


3. Os mansos (v. 5)

O adjetivo grego praüs significa "gentil", "humilde", "atencioso", "cortês" e, portanto, o que exerce autocontrole, sem o qual estas qualidades seriam impossíveis. Embora imediatamente recuemos ante a imagem de nosso Senhor quando intitulado "Jesus, suave e meigo", porque evoca uma figura fraca e efeminada, ele mesmo descreveu-se como "manso (praüs) e humilde de coração"; e Paulo falou de sua "mansidão e benignidade" (Mt 11:29; II Co 10:1; cf. Zc 9:9). Portanto, lingüisticamente falando, podemos parafrasear esta bem-aventurança dizendo: "aqueles que têm um espírito gentil". Mas que espécie de gentileza é esta, para que seus possuidores sejam declarados bem-aventurados?

Parece importante notar que, nas bem-aventuranças, "os mansos" encontram-se entre aqueles que choram por causa do pecado e entre aqueles que têm fome e sede de justiça. A forma particular de mansidão que Cristo exige de seus discípulos está certamente relacionada com esta seqüência. Creio que o Dr. Martin Lloyd-Jones está certo ao enfatizar que essa mansidão denota uma atitude humilde e gentil para com os outros, determinada por uma estimativa correta de si mesmo. Ele destaca que é comparativamente fácil ser honesto consigo mesmo diante de Deus e se reconhecer pecador diante dele. E prossegue: "Mas como é muito mais difícil permitir que as outras pessoas digam uma coisa dessas de mim! Instintivamente eu me ofendo. Todos nós preferimos condenar a nós mesmos do que permitir que outra pessoa ns condene”.

Por exemplo, vamos aplicar este princípio à prática eclesiástica cotidiana. Sinto-me muito feliz ao recitar a confissão de pecados na igreja, chamando-me de “miserável pecador”. Não há problema algum. Nem me incomodo. Mas se alguém vier a mim, depois do culto, e me chamar de miserável pecador, vou querer dar-lhe um soco no nariz! Em outras palavras, não estou preparado para permitir que outras pessoas pensem ou falem de mim aquilo que acabei de reconhecer diante de Deus. Ë uma grande hipocrisia, e sempre será, quando a mansidão estiver ausente.

O Dr. Lloyd-Jones resume isso admiravelmente: “A mansidão é, em essência, a verdadeira visão que temos de nós mesmos, e que se expressa na atitude e na conduta para com os outros... O homem verdadeiramente manso é aquele que fica realmente pasmo ante o fato de Deus e os homens poderem pensar dele tão bem quanto pensam, e de que o tratem tão bem. Isto o torna gentil, humilde, sensível, paciente em todos os seus relacionamentos com os outros.

Essas pessoas mansas herdarão a terra”. Era de se esperar o contrário. Achamos que as pessoas “mansas” nada conseguem porque são ignoradas por todos, ou, então, tratadas com descortesia ou desprezo. São os valentões, os arrogantes, que vencem na luta pela existência; os covardes são derrotados. Até mesmo os filhos de Israel tiveram de lutar por sua herança, embora o Senhor seu Deus lhes desse a terra prometida. Mas a condição pela qual tomamos possa de nossa herança espiritual em Cristo não é a força, mas a mansidão, pois, confirme já vimos, tudo é nosso se somos de Cristo.

Era esta a confiança dos homens de Deus, santos e humildes, no Velho Testamento, quando os perversos pareciam triunfar. Isto jamais foi expresso com mais exatidão do que no Salmo 37, o qual parece que Jesus citou nas bem-aventuranças: “Não te indignes por causa dos malfeitores... os mansos herdarão a terra... Aqueles a quem o Senhor abençoa possuirão a terra... Espera no Senhor, segue o seu caminho, e ele te exaltará para possuíres a terra; presenciarás isso quando os ímpios forem exterminados” (Sl 37:1,11,22,34; cf. Is 57:13; 60:21).