“Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó? Ora, Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos” (Mt 22.32).
Quem pode imaginar alguém deixando a comodidade de seu lar, os seus rendimentos, e sua parentela para ir ao encontro do desconhecido na esperança de que alguns possam ouvir sua mensagem? Será que em condições normais alguém enfrentaria situações como a possibilidade de morte tanto do missionário quanto de toda sua família; de um choque cultural tremendo e nada fácil de superar; de um ambiente estranho que também deve provocar traumas, além da grande saudade de parentes, amigos, etc. Nada comum, digo de mim mesmo, poderia me convencer de abraçar uma empreitada dessas de peito aberto, sabendo de todas as coisas que estariam em risco. Mas, com base na história e na experiência que vivemos, a certeza na ressurreição de Cristo deve ser suficientemente capaz de retirar qualquer homem de sua acomodação para enfrentamentos inimagináveis. O missionário, nesse caso, não seria somente aquele indivíduo que deixaria seu país, p. ex., mas, todo aquele que se propõe a “ir e pregar o Evangelho”, inclusive em seu próprio bairro ou condomínio.
O primeiro enfrentamento que vejo na figura do cristão missionário, é o de inconformidade com o mundo e um desejo incontrolável de mudá-lo com a mensagem transformadora do Evangelho. Somente a Boa-Nova pode impedir a degenerescência de nossa sociedade, afinal, somos chamados por Cristo de “sal da terra” (Mt 5.13) porque o mesmo tem propriedades conservativas, que não permitem a degradação dos alimentos. Não é caso de “pegarmos em armas” para convencer todos os indivíduos contrários ao nosso pensamento de agregarem-se à nossa denominação, mas, de apresentarmos uma situação de novas possibilidades escatológicas, de um mundo novo e de uma nova dimensão das relações entre as pessoas, de uma satisfação gratuita e plena em Jesus Cristo.
Os profetas são excelentes exemplos de pessoas que desejavam o benefício de todos, apesar do pesado teor de suas denúncias, não eram expressas por ódio ou desejo de vingança, mas, para que houvesse arrependimento e conversão da parte daqueles que agiam mal diante do Senhor. Caso isso acontecesse, toda a nação se privilegiaria com as maravilhosas bênçãos do Pai. Nesse caso, não podemos nos esquecer da exortação do apóstolo Paulo: “E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Rm 12.2).
O segundo enfrentamento que vejo na figura do cristão missionário é o de ser um pacificador e conciliador nesse mundo materialista e violento em que vivemos hoje. Nos dois maiores mandamentos que Cristo enuncia aos fariseus, encontramos o que penso ser o que dá sentido a toda obra de Salvação: o amor; primeiro a Deus, depois ao próximo. Fico imaginando Jesus agindo como nós: “Se vocês querem apedrejar a adúltera, problema de vocês. Não me envolvam em suas questões”. Mas, graças a Deus, diferentemente disso, Jesus demonstrou fortemente seu amor ao morrer por nós “quando ainda éramos pecadores” (Rm 5.8). Tal exemplo deveria nos incentivar a pregarmos o Evangelho sem fazermos acepção de pessoas, sem julgarmos quem pode ou não ser transformado – como se isso dependesse de nós –, num ato de reconhecimento da nossa própria falta de mérito para tal coisa.
Somente após a ressurreição de Cristo podemos sonhar com a realidade do emocionado apelo do apóstolo Paulo aos efésios: “Rogo-vos, pois, eu, o preso do Senhor, que andeis como é digno da vocação com que fostes chamados, 2 com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor, 3 procurando guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz: 4 há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação; 5 um só Senhor, uma só fé, um só batismo; 6 um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos, e
O terceiro enfrentamento para o cristão missionário é a de apresentar uma mensagem integral, não dualista, muito bem expressa por Moltmann. Não de uma escatologia escapista, que deseja viver todas as “maravilhas” de Deus enquanto que os ímpios, os desobedientes, sejam lançados no lago de fogo e enxofre, mas, de um desejo de já viver o que já foi promovido pela ressurreição de Cristo. Como disse o historiador eclesiástico González: “[Deve-se] recuperar a centralidade da escatologia, mostrando que ela inclui tanto aquilo pelo que a igreja espera quanto a própria esperança pela qual ela vive”. Assim, a fé cristã vive da ressurreição de Cristo e se estende em direção às promessas do retorno universal e glorioso do Rei dos reis. Nesse aspecto, enfim, nós não somos só intérpretes do futuro, mas já somos os colaboradores do futuro, cuja força, tanto na esperança como na realização, é Cristo e sua ressurreição. Por isso torna-se possível caminharmos todos
O quarto enfrentamento para o cristão missionário deve ser o de viver e ensinar uma missão comprometida e comprometedora. Sendo capaz de vencer o desafio de viver de tal maneira, em santidade e justiça, que nossa própria existência empurre a história para sua meta. Vivendo um cristianismo prático que preserve a vida, e tudo que lhe é necessário; que preserve a paz entre os indivíduos, numa comunhão universal; que seja verdadeiramente libertador e não opressor, como vemos na institucionalização da fé; onde todos conheçam e exerçam seus papéis em benefício da coletividade e não somente de si mesmo.
Finalmente, o quinto enfrentamento para o cristão missionário deve ser o de inspirar uma missão em esperança, prazerosa, amorosa e vigilante. Tal batalha pode configurar-se a maior dentre as demais, manter firme a esperança nos demais pelo testemunho de uma firme convicção no poder transformador do Evangelho, possibilitado pela ressurreição de Cristo. Não com um discurso ameaçador e amedrontador, mas, de esperança, amor e comunhão.
Lembro-me de uma aula no seminário, quando o professor explicava sobre “como conseguir que sua esposa seja submissa”. A receita era bem simples: “quanto mais a amo, mais ela retribui esse amor, mais ela deseja estar ao meu lado e caminhar comigo”. Se formos competentes em nos lembrar o que levou Cristo a morrer por nós, mesmo que sendo capaz de ressuscitar depois, podemos estar certos da eficácia da mensagem do Evangelho à todos aqueles que estão “cansados e sobrecarregados” pelas ilusões do mundo. Por isso, a mensagem pregada pela Igreja deve ser, como afirmamos no quarto desafio do cristão missionário, comprometida e comprometedora, pois, como afirma Sancho Pança: “muito bem prega quem vive”!