“Tu me seduziste, Iahweh, e eu me deixei seduzir; tu te tornaste forte demais para mim, tu me dominaste. Sirvo de escárnio todo o dia, todos zombam de mim. Porque sempre que falo devo gritar, devo proclamar: ‘Violência e opressão!’ Porque a palavra de Iahweh tornou-se para mim opróbrio e ludíbrio todo dia. Quando pensava: ‘Não me lembrarei deles, já não falarei em seu Nome”, então isto era em meu coração como fogo devorador, encerrado em meus ossos. Estou cansado de suportar, não agüento mais!” (Jr. 20.7-9).
No texto acima há uma imagem de sedução que revela o poder de Iahweh sobre o profeta, o qual parece aqui revoltar-se contra um Deus que ele tem como responsável por sua desgraça. A presença do Senhor para Jeremias foi-lhe doce e maravilhosa, mas sua missão tornara-se um pesadelo devido à rejeição sofrida por parte de seus ouvintes que desejavam sua total destruição (18.19-23). O profeta sente-se enganado e crê que Iahweh usou de muito rigor em sua persuasão, impedindo que ele pudesse rejeitar sua missão, mas, mesmo assim, ao final dessa perícope ainda lança um grito de esperança (11-13).
Jeremias sente o peso da palavra de Iahweh queimando em seu coração e encerrado em seus ossos, de maneira alguma este profeta poderia livrar-se dessa responsabilidade que o levaria a enfrentar toda a hostilidade de seus ouvintes. A palavra de Deus afligia o espírito de Jeremias de tal forma que ele não a podia conter, mesmo sofrendo as conseqüências de sua pregação Jeremias prosseguia com seu ministério. Ele era insubstituível e desde o ventre materno havia sido escolhido para tal encargo (1.5), não havia como retroceder diante do Senhor, isto não era uma opção para Jeremias. “Jeremias analisa a sua vocação, as conseqüências que esta lhe acarretou, e a sua atitude frente a ela. Começa com uma metáfora duríssima: compara-se a uma moça inocente e ingênua. Em vez de respeitar a ingenuidade dela, Deus aproveitou-se dela, ‘seduzindo-a’, ‘forçando-a’, ‘violando-a’. À semelhança da moça violada, Jeremias em seguida só depara com os risos e as zombarias dos outros (7b), carrega o peso da desonra (8b)” (SICRE, 1992, p.123).
Nos versos seguintes (20.14-48) Jeremias faz sua confissão mais dura acerca da coação de Deus sobre si, em seu ministério e todas as aflições que houvera sofrido: “Maldito o dia em que nasci!”. O profeta reflete sobre o absurdo do objetivo de Iahweh em tê-lo feito existir: “para ver trabalhos e penas e terminar os meus dias na vergonha?” Apesar disso Iahweh se mantém em silêncio sobre a situação de Jeremias, porém sua mensagem continua chegando ao seu escolhido e ele a continua revelando a seus antagonistas verdadeiros, independentemente de suas conseqüências. Ainda há esperança, uma confiança nas primeiras palavras de Iahweh: “Não temas diante deles, porque eu estou contigo para te salvar, oráculo de Iahweh” (Jr 1.8).
As oposições
A oposição dos homens sempre foi um dos eventos mais provocadores do sofrimento do profeta. A falta de cooperação e consideração com suas palavras mesmo que, na maioria das vezes confrontadoras, mas, que se ouvidas trariam restauração e refrigério, era um fator agravante na situação emocional de qualquer mensageiro divino.
Os opositores dos profetas não eram apenas pessoas que não lhes eram simpáticas, eram homens e mulheres que conspiravam contra eles, que os hostilizavam e expunham a situações vexatórias, perseguindo-os e maltratando-os. Esses desafetos não provinham somente do povo, mas eram constituídos de reis, sacerdotes, falsos profetas e outros grupos sociais.
Nos setores sociais mais elevados as relações eram as mais difíceis. Sempre houve tensões políticas entre os poderes religiosos e os políticos, os reis sempre contavam com o respaldo dos profetas, mas nem sempre isso era possível, o que causava grande animosidade entre o monarca e o mensageiro de Deus (I Sm 15; II Sm 12; e Is 7 p. ex.). Outra situação dificultosa encontrava-se quando os profetas denunciavam o desvio religioso dos sacerdotes, ao violarem o que era sagrado para benefício próprio ou de seu monarca (I Sm 3; Am 7.10-17; e Mq 3.11 p. ex.). Chefes políticos e militares também sofriam os ataques mordazes dos profetas. Quando os profetas atacavam a política do país, tanto interna como externa, carregavam a responsabilidade sobre os militares e os conselheiros da corte, situação nada fácil de suportar (Os 5.10; e Is 30.1-5 p. ex.).
Vemos as lutas mais aguerridas entre profetas e falsos profetas (no grupo dos falsos profetas estão os que defendem as divindades estrangeiras e os pretensiosos que se acham portadores da palavra de Iahweh). Neste campo não se trata somente de se defender sua teologia, o que também é extremamente importante, mas de lutar contra as medidas e atitudes propostas para o caminhar da sociedade e do país que são impostas pelos falsários (Mq 2-3). Nessa disputa, os níveis de reivindicação acerca da revelação divina real atingem graus altíssimos e confrontos diretos são necessários como no caso de Elias contra os profetas de Baal. Mesmo vencendo o confronto Elias achou-se desprovido de aliados.
Não é por acaso que os profetas sentem-se ameaçados. São sempre tachados em seu contexto, são chamados de loucos, traidores da pátria, outras vezes precisam fugir, são presos ou expulsos de onde estão profetizando, ou chegam ao extremo quando são martirizados. Mesmo assim suas mensagens são entregues e sua missão completada.
A solidão
Uma vez em oposição a tudo e a todos não se admira que os profetas, apesar do apoio de alguns, sintam-se solitários.
“Nunca me assentei em grupo de gente alegre para me divertir. Por causa da tua mão, me assentei sozinho, pois tu me encheste de cólera” (Jr 15.17).
Essa solidão não estava apenas em não possuir um círculo amigável onde o profeta poderia sentar-se e desfrutar de bons momentos de sociabilidade. Em alguns momentos e possivelmente os mais terríveis, esses homens de Deus sentiam-se abandonados e até acusavam o próprio Iahweh de ter feito isso, iludindo-os. Como vimos no texto acima, para Jeremias sua inocência e lealdade ficaram sem resposta, pois os homens o perseguem e Iahweh o abandona. “É uma experiência trágica, que contrasta com os tempos iniciais, quando as palavras do Senhor ‘eram meu gozo e a alegria do meu coração’. Agora fica apenas uma chaga crônica, uma ferida incurável. A culpa pela sua situação, não a atribui só aos homens, mas também a Deus” (SICRE, 1992, p.122).
Honestidade
Como alguém coagido a uma missão tão terrível, – de ser um antagonista de seu próprio povo, sofrendo na pele o desprezo de seus compatriotas e até da própria família; que via outros tramarem sua morte (Jr 18.23) e, que, além disso, também passaria por tudo o que predizia, – deveria reagir?
Não vejo Jeremias como um “profeta chorão”, mas como um homem extremamente honesto e que não teme demonstrar diante de Iahweh, toda sua indignação com a situação que enfrenta. É como se ele dissesse: “se tens algum problema com seu povo, resolva-o o Senhor mesmo”! Como nossa tradição religiosa impede que falemos tal coisa de Deus, acusá-lo de injustiça como se pode pensar neste caso, preferimos lançar sobre a face do pobre Jeremias nossas injúrias sobre tal reação. Agora também não vou discutir justiça-injustiça divinas, vou simplesmente afirmar que Deus agiu soberanamente. Alguém deveria ser seu mensageiro, Jeremias foi o escolhido.
Não estamos com isso afrontando Deus, assim como Jeremias não o fez, mas trazendo a lume a nossa limitação de não sermos perfeitos e em tudo capazes de sempre lograrmos bom êxito. Nós sofremos, choramos e, porque não, reclamamos também. Principalmente quando enfrentamos grandes dificuldades. Se fossemos tão transparentes quanto Jeremias, seríamos mais solidários com ele e com nosso próximo, pois, sabemos que sempre há alguém em uma situação pior que a nossa...
No texto acima há uma imagem de sedução que revela o poder de Iahweh sobre o profeta, o qual parece aqui revoltar-se contra um Deus que ele tem como responsável por sua desgraça. A presença do Senhor para Jeremias foi-lhe doce e maravilhosa, mas sua missão tornara-se um pesadelo devido à rejeição sofrida por parte de seus ouvintes que desejavam sua total destruição (18.19-23). O profeta sente-se enganado e crê que Iahweh usou de muito rigor em sua persuasão, impedindo que ele pudesse rejeitar sua missão, mas, mesmo assim, ao final dessa perícope ainda lança um grito de esperança (11-13).
Jeremias sente o peso da palavra de Iahweh queimando em seu coração e encerrado em seus ossos, de maneira alguma este profeta poderia livrar-se dessa responsabilidade que o levaria a enfrentar toda a hostilidade de seus ouvintes. A palavra de Deus afligia o espírito de Jeremias de tal forma que ele não a podia conter, mesmo sofrendo as conseqüências de sua pregação Jeremias prosseguia com seu ministério. Ele era insubstituível e desde o ventre materno havia sido escolhido para tal encargo (1.5), não havia como retroceder diante do Senhor, isto não era uma opção para Jeremias. “Jeremias analisa a sua vocação, as conseqüências que esta lhe acarretou, e a sua atitude frente a ela. Começa com uma metáfora duríssima: compara-se a uma moça inocente e ingênua. Em vez de respeitar a ingenuidade dela, Deus aproveitou-se dela, ‘seduzindo-a’, ‘forçando-a’, ‘violando-a’. À semelhança da moça violada, Jeremias em seguida só depara com os risos e as zombarias dos outros (7b), carrega o peso da desonra (8b)” (SICRE, 1992, p.123).
Nos versos seguintes (20.14-48) Jeremias faz sua confissão mais dura acerca da coação de Deus sobre si, em seu ministério e todas as aflições que houvera sofrido: “Maldito o dia em que nasci!”. O profeta reflete sobre o absurdo do objetivo de Iahweh em tê-lo feito existir: “para ver trabalhos e penas e terminar os meus dias na vergonha?” Apesar disso Iahweh se mantém em silêncio sobre a situação de Jeremias, porém sua mensagem continua chegando ao seu escolhido e ele a continua revelando a seus antagonistas verdadeiros, independentemente de suas conseqüências. Ainda há esperança, uma confiança nas primeiras palavras de Iahweh: “Não temas diante deles, porque eu estou contigo para te salvar, oráculo de Iahweh” (Jr 1.8).
As oposições
A oposição dos homens sempre foi um dos eventos mais provocadores do sofrimento do profeta. A falta de cooperação e consideração com suas palavras mesmo que, na maioria das vezes confrontadoras, mas, que se ouvidas trariam restauração e refrigério, era um fator agravante na situação emocional de qualquer mensageiro divino.
Os opositores dos profetas não eram apenas pessoas que não lhes eram simpáticas, eram homens e mulheres que conspiravam contra eles, que os hostilizavam e expunham a situações vexatórias, perseguindo-os e maltratando-os. Esses desafetos não provinham somente do povo, mas eram constituídos de reis, sacerdotes, falsos profetas e outros grupos sociais.
Nos setores sociais mais elevados as relações eram as mais difíceis. Sempre houve tensões políticas entre os poderes religiosos e os políticos, os reis sempre contavam com o respaldo dos profetas, mas nem sempre isso era possível, o que causava grande animosidade entre o monarca e o mensageiro de Deus (I Sm 15; II Sm 12; e Is 7 p. ex.). Outra situação dificultosa encontrava-se quando os profetas denunciavam o desvio religioso dos sacerdotes, ao violarem o que era sagrado para benefício próprio ou de seu monarca (I Sm 3; Am 7.10-17; e Mq 3.11 p. ex.). Chefes políticos e militares também sofriam os ataques mordazes dos profetas. Quando os profetas atacavam a política do país, tanto interna como externa, carregavam a responsabilidade sobre os militares e os conselheiros da corte, situação nada fácil de suportar (Os 5.10; e Is 30.1-5 p. ex.).
Vemos as lutas mais aguerridas entre profetas e falsos profetas (no grupo dos falsos profetas estão os que defendem as divindades estrangeiras e os pretensiosos que se acham portadores da palavra de Iahweh). Neste campo não se trata somente de se defender sua teologia, o que também é extremamente importante, mas de lutar contra as medidas e atitudes propostas para o caminhar da sociedade e do país que são impostas pelos falsários (Mq 2-3). Nessa disputa, os níveis de reivindicação acerca da revelação divina real atingem graus altíssimos e confrontos diretos são necessários como no caso de Elias contra os profetas de Baal. Mesmo vencendo o confronto Elias achou-se desprovido de aliados.
Não é por acaso que os profetas sentem-se ameaçados. São sempre tachados em seu contexto, são chamados de loucos, traidores da pátria, outras vezes precisam fugir, são presos ou expulsos de onde estão profetizando, ou chegam ao extremo quando são martirizados. Mesmo assim suas mensagens são entregues e sua missão completada.
A solidão
Uma vez em oposição a tudo e a todos não se admira que os profetas, apesar do apoio de alguns, sintam-se solitários.
“Nunca me assentei em grupo de gente alegre para me divertir. Por causa da tua mão, me assentei sozinho, pois tu me encheste de cólera” (Jr 15.17).
Essa solidão não estava apenas em não possuir um círculo amigável onde o profeta poderia sentar-se e desfrutar de bons momentos de sociabilidade. Em alguns momentos e possivelmente os mais terríveis, esses homens de Deus sentiam-se abandonados e até acusavam o próprio Iahweh de ter feito isso, iludindo-os. Como vimos no texto acima, para Jeremias sua inocência e lealdade ficaram sem resposta, pois os homens o perseguem e Iahweh o abandona. “É uma experiência trágica, que contrasta com os tempos iniciais, quando as palavras do Senhor ‘eram meu gozo e a alegria do meu coração’. Agora fica apenas uma chaga crônica, uma ferida incurável. A culpa pela sua situação, não a atribui só aos homens, mas também a Deus” (SICRE, 1992, p.122).
Honestidade
Como alguém coagido a uma missão tão terrível, – de ser um antagonista de seu próprio povo, sofrendo na pele o desprezo de seus compatriotas e até da própria família; que via outros tramarem sua morte (Jr 18.23) e, que, além disso, também passaria por tudo o que predizia, – deveria reagir?
Não vejo Jeremias como um “profeta chorão”, mas como um homem extremamente honesto e que não teme demonstrar diante de Iahweh, toda sua indignação com a situação que enfrenta. É como se ele dissesse: “se tens algum problema com seu povo, resolva-o o Senhor mesmo”! Como nossa tradição religiosa impede que falemos tal coisa de Deus, acusá-lo de injustiça como se pode pensar neste caso, preferimos lançar sobre a face do pobre Jeremias nossas injúrias sobre tal reação. Agora também não vou discutir justiça-injustiça divinas, vou simplesmente afirmar que Deus agiu soberanamente. Alguém deveria ser seu mensageiro, Jeremias foi o escolhido.
Não estamos com isso afrontando Deus, assim como Jeremias não o fez, mas trazendo a lume a nossa limitação de não sermos perfeitos e em tudo capazes de sempre lograrmos bom êxito. Nós sofremos, choramos e, porque não, reclamamos também. Principalmente quando enfrentamos grandes dificuldades. Se fossemos tão transparentes quanto Jeremias, seríamos mais solidários com ele e com nosso próximo, pois, sabemos que sempre há alguém em uma situação pior que a nossa...