quarta-feira, junho 09, 2010

JEREMIAS NÃO ERA CHORÃO

Tu me seduziste, Iahweh, e eu me deixei seduzir; tu te tornaste forte demais para mim, tu me dominaste. Sirvo de escárnio todo o dia, todos zombam de mim. Porque sempre que falo devo gritar, devo proclamar: ‘Violência e opressão!’ Porque a palavra de Iahweh tornou-se para mim opróbrio e ludíbrio todo dia. Quando pensava: ‘Não me lembrarei deles, já não falarei em seu Nome”, então isto era em meu coração como fogo devorador, encerrado em meus ossos. Estou cansado de suportar, não agüento mais!” (Jr. 20.7-9).

No texto acima há uma imagem de sedução que revela o poder de Iahweh sobre o profeta, o qual parece aqui revoltar-se contra um Deus que ele tem como responsável por sua desgraça. A presença do Senhor para Jeremias foi-lhe doce e maravilhosa, mas sua missão tornara-se um pesadelo devido à rejeição sofrida por parte de seus ouvintes que desejavam sua total destruição (18.19-23). O profeta sente-se enganado e crê que Iahweh usou de muito rigor em sua persuasão, impedindo que ele pudesse rejeitar sua missão, mas, mesmo assim, ao final dessa perícope ainda lança um grito de esperança (11-13).

Jeremias sente o peso da palavra de Iahweh queimando em seu coração e encerrado em seus ossos, de maneira alguma este profeta poderia livrar-se dessa responsabilidade que o levaria a enfrentar toda a hostilidade de seus ouvintes. A palavra de Deus afligia o espírito de Jeremias de tal forma que ele não a podia conter, mesmo sofrendo as conseqüências de sua pregação Jeremias prosseguia com seu ministério. Ele era insubstituível e desde o ventre materno havia sido escolhido para tal encargo (1.5), não havia como retroceder diante do Senhor, isto não era uma opção para Jeremias. “Jeremias analisa a sua vocação, as conseqüências que esta lhe acarretou, e a sua atitude frente a ela. Começa com uma metáfora duríssima: compara-se a uma moça inocente e ingênua. Em vez de respeitar a ingenuidade dela, Deus aproveitou-se dela, ‘seduzindo-a’, ‘forçando-a’, ‘violando-a’. À semelhança da moça violada, Jeremias em seguida só depara com os risos e as zombarias dos outros (7b), carrega o peso da desonra (8b)” (SICRE, 1992, p.123).

Nos versos seguintes (20.14-48) Jeremias faz sua confissão mais dura acerca da coação de Deus sobre si, em seu ministério e todas as aflições que houvera sofrido: “Maldito o dia em que nasci!”. O profeta reflete sobre o absurdo do objetivo de Iahweh em tê-lo feito existir: “para ver trabalhos e penas e terminar os meus dias na vergonha?” Apesar disso Iahweh se mantém em silêncio sobre a situação de Jeremias, porém sua mensagem continua chegando ao seu escolhido e ele a continua revelando a seus antagonistas verdadeiros, independentemente de suas conseqüências. Ainda há esperança, uma confiança nas primeiras palavras de Iahweh: “Não temas diante deles, porque eu estou contigo para te salvar, oráculo de Iahweh” (Jr 1.8).

As oposições

A oposição dos homens sempre foi um dos eventos mais provocadores do sofrimento do profeta. A falta de cooperação e consideração com suas palavras mesmo que, na maioria das vezes confrontadoras, mas, que se ouvidas trariam restauração e refrigério, era um fator agravante na situação emocional de qualquer mensageiro divino.

Os opositores dos profetas não eram apenas pessoas que não lhes eram simpáticas, eram homens e mulheres que conspiravam contra eles, que os hostilizavam e expunham a situações vexatórias, perseguindo-os e maltratando-os. Esses desafetos não provinham somente do povo, mas eram constituídos de reis, sacerdotes, falsos profetas e outros grupos sociais.

Nos setores sociais mais elevados as relações eram as mais difíceis. Sempre houve tensões políticas entre os poderes religiosos e os políticos, os reis sempre contavam com o respaldo dos profetas, mas nem sempre isso era possível, o que causava grande animosidade entre o monarca e o mensageiro de Deus (I Sm 15; II Sm 12; e Is 7 p. ex.). Outra situação dificultosa encontrava-se quando os profetas denunciavam o desvio religioso dos sacerdotes, ao violarem o que era sagrado para benefício próprio ou de seu monarca (I Sm 3; Am 7.10-17; e Mq 3.11 p. ex.). Chefes políticos e militares também sofriam os ataques mordazes dos profetas. Quando os profetas atacavam a política do país, tanto interna como externa, carregavam a responsabilidade sobre os militares e os conselheiros da corte, situação nada fácil de suportar (Os 5.10; e Is 30.1-5 p. ex.).

Vemos as lutas mais aguerridas entre profetas e falsos profetas (no grupo dos falsos profetas estão os que defendem as divindades estrangeiras e os pretensiosos que se acham portadores da palavra de Iahweh). Neste campo não se trata somente de se defender sua teologia, o que também é extremamente importante, mas de lutar contra as medidas e atitudes propostas para o caminhar da sociedade e do país que são impostas pelos falsários (Mq 2-3). Nessa disputa, os níveis de reivindicação acerca da revelação divina real atingem graus altíssimos e confrontos diretos são necessários como no caso de Elias contra os profetas de Baal. Mesmo vencendo o confronto Elias achou-se desprovido de aliados.

Não é por acaso que os profetas sentem-se ameaçados. São sempre tachados em seu contexto, são chamados de loucos, traidores da pátria, outras vezes precisam fugir, são presos ou expulsos de onde estão profetizando, ou chegam ao extremo quando são martirizados. Mesmo assim suas mensagens são entregues e sua missão completada.

A solidão

Uma vez em oposição a tudo e a todos não se admira que os profetas, apesar do apoio de alguns, sintam-se solitários.

Nunca me assentei em grupo de gente alegre para me divertir. Por causa da tua mão, me assentei sozinho, pois tu me encheste de cólera” (Jr 15.17).

Essa solidão não estava apenas em não possuir um círculo amigável onde o profeta poderia sentar-se e desfrutar de bons momentos de sociabilidade. Em alguns momentos e possivelmente os mais terríveis, esses homens de Deus sentiam-se abandonados e até acusavam o próprio Iahweh de ter feito isso, iludindo-os. Como vimos no texto acima, para Jeremias sua inocência e lealdade ficaram sem resposta, pois os homens o perseguem e Iahweh o abandona. “É uma experiência trágica, que contrasta com os tempos iniciais, quando as palavras do Senhor ‘eram meu gozo e a alegria do meu coração’. Agora fica apenas uma chaga crônica, uma ferida incurável. A culpa pela sua situação, não a atribui só aos homens, mas também a Deus” (SICRE, 1992, p.122).

Honestidade

Como alguém coagido a uma missão tão terrível, – de ser um antagonista de seu próprio povo, sofrendo na pele o desprezo de seus compatriotas e até da própria família; que via outros tramarem sua morte (Jr 18.23) e, que, além disso, também passaria por tudo o que predizia, – deveria reagir?

Não vejo Jeremias como um “profeta chorão”, mas como um homem extremamente honesto e que não teme demonstrar diante de Iahweh, toda sua indignação com a situação que enfrenta. É como se ele dissesse: “se tens algum problema com seu povo, resolva-o o Senhor mesmo”! Como nossa tradição religiosa impede que falemos tal coisa de Deus, acusá-lo de injustiça como se pode pensar neste caso, preferimos lançar sobre a face do pobre Jeremias nossas injúrias sobre tal reação. Agora também não vou discutir justiça-injustiça divinas, vou simplesmente afirmar que Deus agiu soberanamente. Alguém deveria ser seu mensageiro, Jeremias foi o escolhido.

Não estamos com isso afrontando Deus, assim como Jeremias não o fez, mas trazendo a lume a nossa limitação de não sermos perfeitos e em tudo capazes de sempre lograrmos bom êxito. Nós sofremos, choramos e, porque não, reclamamos também. Principalmente quando enfrentamos grandes dificuldades. Se fossemos tão transparentes quanto Jeremias, seríamos mais solidários com ele e com nosso próximo, pois, sabemos que sempre há alguém em uma situação pior que a nossa...

quarta-feira, junho 02, 2010

95 Teses de Lutero

Todo mundo já ouviu falar, mas, nem todos já leram as 95 teses de Lutero. Portanto, aproveito o espaço para publicá-las e lhe promover a oportunidade de conhece-las.
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Fonte: Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil

Debate para o Esclarecimento do Valor das Indulgências pelo Doutor Martinho Lutero - 31 de outubro de 1517.

Por amor à verdade e no empenho de elucidá-la, discutir-se-á o seguinte em Wittenberg, sob a presidência do Reverendo Padre Martinho Lutero, mestre de Artes e de Santa Teologia e professor catedrático desta última, naquela localidade. Por esta razão, ele solicita que os que não puderem estar presentes e debater conosco oralmente o façam por escrito.

Em nome do nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.

1. Ao dizer: "Fazei penitência", etc. [Mt 4.17], o nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo quis que toda a vida dos fiéis fôsse penitência.

2. Esta penitência não pode ser entendida como penitência sacramental, isto é, da confissão e satisfação celebrada pelo ministério dos sacerdotes.

3. No entanto, ela não se refere apenas a uma penitência interior; sim, a penitência interior seria nula, se, externamente, não produzisse toda sorte de mortificação da carne.

4. Por conseqüência, a pena perdura enquanto persiste o ódio de si mesmo (isto é a verdadeira penitência interior), ou seja, até a entrada do reino dos céus.

5. O papa não quer nem pode dispensar de quaisquer penas senão daquelas que impôs por decisão própria ou dos cânones.

6. O papa não pode remitir culpa alguma senão declarando e confirmando que ela foi perdoada por Deus, ou, sem dúvida, remitindo-a nos casos reservados para si; se estes forem desprezados, a culpa permanecerá por inteiro.

7. Deus não perdoa a culpa de qualquer pessoa sem, ao mesmo tempo, sujeitála, em tudo humilhada, ao sacerdote, seu vigário.

8. Os cânones penitenciais são impostos apenas aos vivos; segundo os mesmos cânones, nada deve ser imposto aos moribundos.

9. Por isso, o Espírito Santo nos beneficia através do papa quando este, em seus decretos, sempre exclui a circunstância da morte e da necessidade.

10. Agem mal e sem conhecimento de causa aqueles sacerdotes que reservam aos moribundos penitências canônicas para o purgatório.

11. Essa erva daninha de transformar a pena canônica em pena do purgatório parece ter sido semeada enquanto os bispos certamente dormiam.

12. Antigamente se impunham as penas canônicas não depois, mas antes da absolvição, como verificação da verdadeira contrição.

13. Através da morte, os moribundos pagam tudo e já estão mortos para as leis canônicas, tendo, por direito, isenção das mesmas.

14. Saúde ou amor imperfeito no moribundo necessariamente traz consigo grande temor, e tanto mais, quanto menor for o amor.

15. Este temor e horror por si sós já bastam (para não falar de outras coisas) para produzir a pena do purgatório, uma vez que estão próximos do horror do desespero.

16. Inferno, purgatório e céu parecem diferir da mesma forma que o desespero, o semidesespero e a segurança.

17. Parece desnecessário, para as almas no purgatório, que o horror diminua na medida em que cresce o amor.

18. Parece não ter sido provado, nem por meio de argumentos racionais nem da Escritura, que elas se encontram fora do estado de mérito ou de crescimento no amor.

19. Também parece não ter sido provado que as almas no purgatório estejam certas de sua bem-aventurança, ao menos não todas, mesmo que nós, de nossa parte, tenhamos plena certeza.

20. Portanto, sob remissão plena de todas as penas, o papa não entende simplesmente todas, mas somente aquelas que ele mesmo impôs.

21. Erram, portanto, os pregadores de indulgências que afirmam que a pessoa é absolvida de toda pena e salva pelas indulgências do papa.

22. Com efeito, ele não dispensa as almas no purgatório de uma única pena que, segundo os cânones, elas deveriam ter pago nesta vida.

23. Se é que se pode dar algum perdão de todas as penas a alguém, ele, certamente, só é dado aos mais perfeitos, isto é, pouquíssimos.

24. Por isso, a maior parte do povo está sendo necessariamente ludibriada por essa magnífica e indistinta promessa de absolvição da pena.

25. O mesmo poder que o papa tem sobre o purgatório de modo geral, qualquer bispo e cura tem em sua diocese e paróquia em particular.

26. O papa faz muito bem ao dar remissão às almas não pelo poder das chaves (que ele não tem), mas por meio de intercessão.

27. Pregam doutrina humana os que dizem que, tão logo tilintar a moeda lançada na caixa, a alma sairá voando [do purgatório para o céu].

28. Certo é que, ao tilintar a moeda na caixa, podem aumentar o lucro e a cobiça; a intercessão da Igreja, porém, depende apenas da vontade de Deus.

29. E quem é que sabe se todas as almas no purgatório querem ser resgatadas? Dizem que este não foi o caso com S. Severino e S. Pascoal.

30. Ninguém tem certeza da veracidade de sua contrição, muito menos de haver conseguido plena remissão.

31. Tão raro como quem é penitente de verdade é quem adquire autenticamente as indulgências, ou seja, é raríssimo.

32. Serão condenados em eternidade, juntamente com seus mestres, aqueles que se julgam seguros de sua salvação através de carta de indulgência.

33. Deve-se ter muita cautela com aqueles que dizem serem as indulgências do papa aquela inestimável dádiva de Deus através da qual a pessoa é reconciliada com Deus.

34. Pois aquelas graças das indulgências se referem somente às penas de satisfação sacramental, determinadas por seres humanos.

35. Não pregam cristãmente os que ensinam não ser necessária a contrição àqueles que querem resgatar ou adquirir breves confessionais.

36. Qualquer cristão verdadeiramente arrependido tem direito à remissão pela de pena e culpa, mesmo sem carta de indulgência.

37. Qualquer cristão verdadeiro, seja vivo, seja morto, tem participação em todos os bens de Cristo e da Igreja, por dádiva de Deus, mesmo sem carta de indulgência.

38. Mesmo assim, a remissão e participação do papa de forma alguma devem ser desprezadas, porque (como disse) constituem declaração do perdão divino.

39. Até mesmo para os mais doutos teólogos é dificílimo exaltar perante o povo ao mesmo tempo, a liberdade das indulgências e a verdadeira contrição.

40. A verdadeira contrição procura e ama as penas, ao passo que a abundância das indulgências as afrouxa e faz odiá-las, pelo menos dando ocasião para tanto.

41. Deve-se pregar com muita cautela sobre as indulgências apostólicas, para que o povo não as julgue erroneamente como preferíveis às demais boas obras do amor.

42. Deve-se ensinar aos cristãos que não é pensamento do papa que a compra de indulgências possa, de alguma forma, ser comparada com as obras de misericórdia.

43. Deve-se ensinar aos cristãos que, dando ao pobre ou emprestando ao necessitado, procedem melhor do que se comprassem indulgências.

44. Ocorre que através da obra de amor cresce o amor e a pessoa se torna melhor, ao passo que com as indulgências ela não se torna melhor, mas apenas mais livre da pena.

45. Deve-se ensinar aos cristãos que quem vê um carente e o negligencia para gastar com indulgências obtém para si não as indulgências do papa, mas a ira de Deus.

46. Deve-se ensinar aos cristãos que, se não tiverem bens em abundância, devem conservar o que é necessário para sua casa e de forma alguma desperdiçar dinheiro com indulgência.

47. Deve-se ensinar aos cristãos que a compra de indulgências é livre e não constitui obrigação.

48. Deve-se ensinar aos cristãos que, ao conceder indulgências, o papa, assim como mais necessita, da mesma forma mais deseja uma oração devota a seu favor do que o dinheiro que se está pronto a pagar.

49. Deve-se ensinar aos cristãos que as indulgências do papa são úteis se não depositam sua confiança nelas, porém, extremamente prejudiciais se perdem o temor de Deus por causa delas.

50. Deve-se ensinar aos cristãos que, se o papa soubesse das exações dos pregadores de indulgências, preferiria reduzir a cinzas a Basílica de S. Pedro a edificá-la com a pele, a carne e os ossos de suas ovelhas.

51. Deve-se ensinar aos cristãos que o papa estaria disposto - como é seu dever - a dar do seu dinheiro àqueles muitos de quem alguns pregadores de indulgências extraem ardilosamente o dinheiro, mesmo que para isto fosse necessário vender a Basílica de S. Pedro.

52. Vã é a confiança na salvação por meio de cartas de indulgências, mesmo que o comissário ou até mesmo o próprio papa desse sua alma como garantia pelas mesmas.

53. São inimigos de Cristo e do papa aqueles que, por causa da pregação de indulgências, fazem calar por inteiro a palavra de Deus nas demais igrejas.

54. Ofende-se a palavra de Deus quando, em um mesmo sermão, se dedica tanto ou mais tempo às indulgências do que a ela.

55. A atitude do papa é necessariamente esta: se as indulgências (que são o menos importante) são celebradas com um toque de sino, uma procissão e uma cerimônia, o Evangelho (que é o mais importante) deve ser anunciado com uma centena de sinos, procissões e cerimônias.

56. Os tesouros da Igreja, dos quais o papa concede as indulgências, não são suficientemente mencionados nem conhecidos entre o povo de Cristo.

57. É evidente que eles, certamente, não são de natureza temporal, visto que muitos pregadores não os distribuem tão facilmente, mas apenas os ajuntam.

58. Eles tampouco são os méritos de Cristo e dos santos, pois estes sempre operam, sem o papa, a graça do ser humano interior e a cruz, a morte e o inferno do ser humano exterior.

59. S. Lourenço disse que os pobres da Igreja são os tesouros da mesma, empregando, no entanto, a palavra como era usada em sua época.

60. É sem temeridade que dizemos que as chaves da Igreja, que lhe foram proporcionadas pelo mérito de Cristo, constituem este tesouro.

61. Pois está claro que, para a remissão das penas e dos casos, o poder do papa por si só é suficiente.

62. O verdadeiro tesouro da Igreja é o santíssimo Evangelho da glória e da graça de Deus.

63. Este tesouro, entretanto, é o mais odiado, e com razão, porque faz com que os primeiros sejam os últimos.

64. Em contrapartida, o tesouro das indulgências é o mais benquisto, e com razão, pois faz dos últimos os primeiros.

65. Por esta razão, os tesouros do Evangelho são as redes com que outrora se pescavam homens possuidores de riquezas.

66. Os tesouros das indulgências, por sua vez, são as redes com que hoje se pesca a riqueza dos homens.

67. As indulgências apregoadas pelos seus vendedores como as maiores graças realmente podem ser entendidas como tal, na medida em que dão boa renda.

68. Entretanto, na verdade, elas são as graças mais ínfimas em comparação com a graça de Deus e a piedade na cruz.

69. Os bispos e curas têm a obrigação de admitir com toda a reverência os comissários de indulgências apostólicas.

70. Têm, porém, a obrigação ainda maior de observar com os dois olhos e atentar com ambos os ouvidos para que esses comissários não preguem os seus próprios sonhos em lugar do que lhes foi incumbido pelo papa.

71. Seja excomungado e maldito quem falar contra a verdade das indulgências apostólicas.

72. Seja bendito, porém, quem ficar alerta contra a devassidão e licenciosidade das palavras de um pregador de indulgências.

73. Assim como o papa, com razão, fulmina aqueles que, de qualquer forma, procuram defraudar o comércio de indulgências,

74. Muito mais deseja fulminar aqueles que, a pretexto das indulgências, procuram defraudar a santa caridade e verdade.

75. A opinião de que as indulgências papais são tão eficazes ao ponto de poderem absolver um homem mesmo que tivesse violentado a mãe de Deus, caso isso fosse possível, é loucura.

76. Afirmamos, pelo contrário, que as indulgências papais não podem anular sequer o menor dos pecados veniais no que se refere à sua culpa.

77. A afirmação de que nem mesmo S. Pedro, caso fosse o papa atualmente, poderia conceder maiores graças é blasfêmia contra São Pedro e o papa.

78. Afirmamos, ao contrário, que também este, assim como qualquer papa, tem graças maiores, quais sejam, o Evangelho, os poderes, os dons de curar, etc., como está escrito em 1 Co 12.

79. É blasfêmia dizer que a cruz com as armas do papa, insignemente erguida, equivale à cruz de Cristo.

80. Terão que prestar contas os bispos, curas e teólogos que permitem que semelhantes conversas sejam difundidas entre o povo.

81. Essa licenciosa pregação de indulgências faz com que não seja fácil, nem para os homens doutos, defender a dignidade do papa contra calúnias ou perguntas, sem dúvida argutas, dos leigos.

82. Por exemplo: por que o papa não evacua o purgatório por causa do santíssimo amor e da extrema necessidade das almas - o que seria a mais justa de todas as causas -, se redime um número infinito de almas por causa do funestíssimo dinheiro para a construção da basílica - que é uma causa tão insignificante?

83. Do mesmo modo: por que se mantêm as exéquias e os aniversários dos falecidos e por que ele não restitui ou permite que se recebam de volta as doações efetuadas em favor deles, visto que já não é justo orar pelos redimidos?

84. Do mesmo modo: que nova piedade de Deus e do papa é essa: por causa do dinheiro, permitem ao ímpio e inimigo redimir uma alma piedosa e amiga de Deus, porém não a redimem por causa da necessidade da mesma alma piedosa e dileta, por amor gratuito?

85. Do mesmo modo: por que os cânones penitenciais - de fato e por desuso já há muito revogados e mortos - ainda assim são redimidos com dinheiro, pela concessão de indulgências, como se ainda estivessem em pleno vigor?

86. Do mesmo modo: por que o papa, cuja fortuna hoje é maior do que a dos mais ricos Crassos, não constrói com seu próprio dinheiro ao menos esta uma basílica de São Pedro, ao invés de fazê-lo com o dinheiro dos pobres fiéis?

87. Do mesmo modo: o que é que o papa perdoa e concede àqueles que, pela contrição perfeita, têm direito à remissão e participação plenária?

88. Do mesmo modo: que benefício maior se poderia proporcionar à Igreja do que se o papa, assim como agora o faz uma vez, da mesma forma concedesse essas remissões e participações 100 vezes ao dia a qualquer dos fiéis?

89. Já que, com as indulgências, o papa procura mais a salvação das almas do o dinheiro, por que suspende as cartas e indulgências outrora já concedidas, se são igualmente eficazes?

90. Reprimir esses argumentos muito perspicazes dos leigos somente pela força, sem refutá-los apresentando razões, significa expor a Igreja e o papa à zombaria dos inimigos e desgraçar os cristãos.

91. Se, portanto, as indulgências fossem pregadas em conformidade com o espírito e a opinião do papa, todas essas objeções poderiam ser facilmente respondidas e nem mesmo teriam surgido.

92. Fora, pois, com todos esses profetas que dizem ao povo de Cristo: "Paz, paz!" sem que haja paz!

93. Que prosperem todos os profetas que dizem ao povo de Cristo: "Cruz! Cruz!" sem que haja cruz!

94. Devem-se exortar os cristãos a que se esforcem por seguir a Cristo, seu cabeça, através das penas, da morte e do inferno;

95. E, assim, a que confiem que entrarão no céu antes através de muitas tribulações do que pela segurança da paz.