Para a infelicidade de Jefté a primeira pessoa que saiu a seu encontro foi sua única filha, festejando com danças a vitória de seu pai. Transtornado, Jefté rasga as suas vestes e angustiou-se profundamente explicando à sua filha o conteúdo de seu voto dizendo: “não posso recuar [no voto]” (BJ - v. 35).
Há uma enorme discussão, portanto, em torno deste voto. Se Jefté era um homem a serviço de Deus, sob a orientação de sua Lei, jamais poderia votar o sacrifício de um ser humano (Lv 18.21; 20.2-5; Dt 12.31; 18.10). Mas, não se deve atenuar o que está escrito com base em pré-concepções, ao contrário deve-se haver a maior clareza possível no trato do assunto para obtermos o ensinamento verdadeiro que o texto contém.
Tradução literal
Traduzindo direto do texto original temos:
“E votou Jefté um voto a YAHWEH dizendo: “Se me der dado os filhos de Amon voto: e será quem quer que seja que saia da porta de minha casa, ao meu encontro, quando voltar salvo do combate com os filhos de Amon será para YAHWEH eu oferecerei em holocausto”.
Versões conhecidas:
ARA – “30 Fez Jefté um voto ao SENHOR e disse: Se, com efeito, me entregares os filhos de Amom nas minhas mãos, 31 quem primeiro da porta da minha casa me sair ao encontro, voltando eu vitorioso dos filhos de Amom, esse será do SENHOR, e eu o oferecerei em holocausto”.
ARC – “30 E Jefté fez um voto ao SENHOR e disse: Se totalmente deres os filhos de Amom na minha mão, 31 aquilo que, saindo da porta de minha casa, me sair ao encontro, voltando eu dos filhos de Amom em paz, isso será do SENHOR, e o oferecerei em holocausto”.
NVI – “ 30 E Jefté fez este voto ao Senhor: ‘Se entregares os amonitas nas minhas mãos, 31 aquele que estiver saindo da porta da minha casa ao meu encontro, quando eu retornar da vitória sobre os amonitas, será do Senhor, e eu o oferecerei em holocausto’”.
TEB – “30 Jefté fez um voto ao Senhor e disse: ‘Se verdadeiramente me entregas os filhos de Amon, 31 quem quer que saia das portas de minha casa ao meu encontro, quando eu voltar são e salvo do meio dos filhos de Amon, esse pertencerá ao Senhor e eu o oferecerei em holocausto’”.
BJ – “E Jefté fez um voto a IAHWEH: ‘Se entregares os amonitas nas minhas mãos, aquele que sair primeiro da porta da minha casa para vir ao meu encontro quando eu voltar são e salvo do combate contra os amonitas, esse pertencerá a IAHWEH, e eu o oferecerei em holocausto’”.
Nos exemplos acima somente a ARC traduziu hayâ hayotse como “aquilo que”. As demais traduções, mais honestas a meu ver, fizeram a tradução correta tratando o objeto da frase como alguém e não como algo. O texto não se refere a “alguma coisa”, criando a possibilidade de que Jefté estivesse falando de um animal qualquer ou de “outra criatura” como afirmam alguns estudiosos. Pelo que está escrito fica muito claro que Jefté estava realmente falando de um sacrifício humano, sua tristeza deu-se pelo fato desta pessoa ser sua única filha. Enfim, o verso 39 diz: “Ao cabo de dois meses, voltou para junto de seu pai e ele cumpriu sobre ela o voto que pronunciara”. A palavra 'olah muitas vezes é traduzida como "um holocausto" ou “oferta queimada”. Quando o ofertante faz um 'olah, o sacrifício foi completamente queimado.
Uma versão contrária ao que estou dizendo é esta: “Jefté não sacrificou sua filha ao Senhor porque foi um homem piedoso, revestido pelo Espírito do Deus (Juizes 11:29). Desde que o Espírito Santo esteve sobre Jefté, não lhe seria permitido manchar suas mãos no sangue da sua própria criança; e especialmente embaixo da pretensão de oferecer um sacrifício agradável a Deus que é o Pai da humanidade, e a Fonte de amor, clemência, e compaixão”. A sua conclusão, então, é que Jefté não sacrificou sua filha a Deus, mas a consagrou para servir ao Senhor em um estado da virgindade perpétua. Esta visão é baseada nas palavras “ela nunca conheceu um homem” (v. 39). Então ela foi dedicada ou consagrada a Deus tendo que viver celibatária até a morte. É claro que a virgindade da filha de Jefté também traz grande peso ao entendimento do texto, mas, somente no que tange informar o quão infeliz foi aquela jovem morrer sem poder ter filhos. Isso era uma grande desgraça para as mulheres naquela época e lugar.
Não podemos amenizar o dilema moral em que Jefté se meteu alterando a tradução do texto conforme nos convém. Também não podemos transcender o conteúdo do texto, incluindo ali nossa “impressão”. É óbvio que isso dificultará uma explicação do fato de que um homem que é celebrado como “um herói da fé” em hebreus 11:32, fez um sacrifício humano a Deus. Sejamos honestos, o texto afirma que ele sacrificaria mesmo uma pessoa. Lembremos-nos também que a moralidade não era o forte de Jefté:
Juízes 11 - ARC
“1 Era, então, Jefté, o gileadita, valente e valoroso, porém filho de uma prostituta; mas Gileade gerara a Jefté. 2 Também a mulher de Gileade lhe deu filhos, e, sendo os filhos desta mulher já grandes, repeliram a Jefté e lhe disseram: Não herdarás em casa de nosso pai, porque és filho de outra mulher. 3 Então, Jefté fugiu de diante de seus irmãos e habitou na terra de Tobe; e homens levianos se ajuntaram com Jefté e saíam com ele”.
Jefté votou um sacrifício humano porque isso era comum em seu tempo, só que para pagãos (Moloque é um exemplo disso). Em sua ignorância completa da Lei, sendo ele marginalizado em sua terra, Jefté optou
Vejo que, no final, o foco desta narrativa não está sobre o sacrifício da filha de Jefté, mas, da irrevogabilidade do voto feito a Deus. Uma vez feito o voto, não era possível tornar atrás. Para a sua época o texto traz a lume a responsabilidade de um povo que foi feito representante de Deus na terra, porta-voz de sua majestade e demais atributos divinos. Como a igreja hoje é plenipotenciária da mesma mensagem e conduta: “Seja, porém, o vosso falar: Sim, sim; não, não, porque o que passa disso é de procedência maligna.” (Mateus 5:37).
Talvez, com uma conclusão tão miúda, se possa achar este pensamento um tanto simplista, portanto, quero lhe instigar a analisar o que digo a respeito do voto na Lei, na época de Jefté. Certamente será uma agradável pesquisa.