quinta-feira, maio 15, 2008

CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

Para quem gosta de estudar a religião, ou o fenômeno religioso, na área das ciências sociais, confira a indicação que se segue.

MATRIZ RELIGIOSA BRASILEIRA. RELIGIOSIDADE E MUDANÇA SOCIAL
Roberto E. Zwetsch

Matriz religiosa brasileira. Religiosidade e mudança social, por José Bittencourt Filho. Petrópolis: Vozes/Koinonia, Petrópolis/Rio de Janeiro 2003, 1 vol. br. 135 x 210mm, 260 p.

Quando o antropólogo holandês André Droogers, professor da Universidade Livre de Amsterdam e ex-professor da Escola Superior de Teologia de São Leopoldo (RS), escreveu seu artigo sobre “A religiosidade mínima brasileira” (Religião e Sociedade, v. 14/2, Rio de Janeiro, 1987, p. 63-86), estava levantando um tema central das pesquisas sobre religião no Brasil, cujos antecedentes e desdobramentos continuam a suscitar novos estudos. Droogers afirmou à época que a religiosidade mínima brasileira (RMB) é vivida publicamente em contextos seculares, veiculada permanentemente pelos meios de comunicação de massa, revelando um dos traços mais profundos da cultura brasileira. A expressão mais concreta dessa RMB é o seu credo mínimo: “Deus e fé” ou “Creio em Deus”. Dificilmente um artista ou uma autoridade política diverge desse credo mínimo. Anos atrás, numa campanha eleitoral à Prefeitura de São Paulo, perguntaram na TV ao então candidato Fernando Henrique Cardoso, se ele acreditava em Deus. Sua negativa pode não tê-lo feito perder a eleição (na oportunidade foi eleito o ex-Presidente Jânio Quadros), mas que contribuiu para a derrota, ninguém duvida. O candidato iluminista feriu um dos pilares da religiosidade brasileira, que perpassa credos e igrejas.

O livro do Professor José Bittencourt Filho, assessor da entidade ecumênica Koinonia do Rio de Janeiro, está na continuidade de outros estudos importantes nessa área de pesquisa e traz uma contribuição específica: avalia a matriz religiosa brasileira, constituída pela composição das raízes do catolicismo ibérico e da magia européia, das religiões indígenas e religiões africanas trazidas pelos escravos negros, chamando a atenção para a presença marcante do Neopentecostalismo (ou Pentecostalismo Autônomo) como parte da complexa situação religiosa brasileira contemporânea. Sua tese afirma

“a existência, no bojo da matriz cultural, de uma matriz religiosa, que provê um acervo de valores religiosos e simbólicos característicos, assim como propicia uma religiosidade ampla e difusa entre os brasileiros” (p. 17).

Ao contrário de outros pesquisadores, Bittencourt Filho acrescenta em sua abordagem um apanhado histórico sobre o Protestantismo brasileiro, demonstrando uma mudança profunda no campo religioso brasileiro a partir dos anos de 1950 com o crescimento vertiginoso do Protestantismo popular representado pelo Pentecostalismo, que chegou ao Brasil em 1910 (Belém do Pará). Partindo dos referenciais clássicos dos estudos da religião (Durkheim, Weber, Marx), dos estudos no Brasil feitos por pesquisadores como Riolando Azzi, José Oscar Beozzo, Roberto DaMatta, Antônio Flávio Pierucci, Reginaldo Prandi, Pierre Sanchis, além dos principais estudos sobre Protestantismo, o autor correlaciona seu tema com a pergunta pela mudança social. Afirma que as abordagens teóricas não podem desprezar as idiossincrasias culturais e os valores que subsistem nos mais diferentes contextos e momentos históricos. Apesar de mudanças ocorrerem na sociedade, é preciso considerar que valores retidos nas camadas profundas da existência social continuam a se expressar e a se reproduzir. É nesse sentido que o autor entende a sua tese de uma matriz religiosa brasileira seguida de uma religiosidade matricial (p. 71).

O livro está dividido em quatro partes: 1) apresenta a gênese da matriz religiosa brasileira; 2) aborda a aventura protestante; 3) correlaciona mudança social e campo religioso; 4) avalia a nova realidade do capitalismo tardio e sua relação com a religião.

No caso do Protestantismo brasileiro, vale registrar a apresentação do Protestantismo de Missão, do qual, de certo modo, originou-se o Pentecostalismo, que recebeu, no Brasil, uma versão nacional influenciada pela Igreja Eletrônica. Particularmente, foi o Pentecostalismo Autônomo ou Autóctone (representado, por exemplo, por Igrejas como: O Brasil para Cristo, Deus é Amor, Casa da Bênção, Nova Vida, Renascer em Cristo, Sara nossa Terra, Universal do Reino de Deus, Internacional da Graça de Deus e suas congêneres) que soube aproveitar bem os novos meios de comunicação de massa, especialmente a TV, como forma de divulgar suas propostas de fé e chamar novos adeptos. Temas como as curas espirituais, o exorcismo, o êxtase religioso, a posse do Espírito Santo e, sobretudo, a ênfase na prosperidade individual, ganharam enormes espaços na mídia e arrebanharam milhões de novos crentes.

Enquanto o Protestantismo ecumênico definhava após intensa repressão (interna e externa) sofrida nos anos da Ditadura Militar (1964-1984), não conseguindo criar novas bases eclesiásticas para a renovação de seus quadros dirigentes, as novas igrejas cresceram e se dividiram, afirmando-se na sociedade a partir de uma característica especial: sem se preocuparem com formação de comunidades estáveis, ofereceram suas propostas religiosas de acordo com a polissemia dos símbolos da Religiosidade Matricial brasileira (p. 196), indo além dos limites fixados pela “ortodoxia” pentecostal. O objetivo era suscitar e satisfazer anseios de “consumidores de religião” num mercado religioso bastante disputado. Sem dúvida, é possível verificar mudanças significativas na vida de pessoas convertidas nesses cultos, mas outros fatores, como a guerra religiosa contra cultos afro ou a desmoralização das religiões mediúnicas, além de métodos pouco ortodoxos para propagar a ideologia da prosperidade como bênção divina, deixam perguntas e levantam preocupações para além do fator meramente religioso. Estas propostas religiosas e outras afins geralmente defendem posições altamente conservadoras em termos sociais ou políticos.

O autor ainda nos faz pensar no seguinte: em relação ao Pentecostalismo Autônomo provavelmente efetuou-se uma operação sincrética que permitiu algo muito particular, presente na religiosidade brasileira contemporânea: a Matriz Religiosa não foi rejeitada nesse tipo de Pentecostalismo, mas, ao contrário, foi axiologicamente reprocessada, enquanto a Religiosidade Matricial teria sido doutrinariamente reformada (p. 231). É isto que faz com que certas características do catolicismo popular ou de cultos de umbanda, por exemplo, reapareçam em cultos pentecostais sob nova roupagem, mas revelando ao pesquisador uma mesma estrutura religiosa básica.

O livro em apreço traz uma contribuição relevante para os estudos sobre religião no Brasil. Por isto, vale a pena ser lido e discutido nas salas de aula dos estudos de teologia, cultura religiosa, sociologia da religião, antropologia cultural, missão inculturada e disciplinas afins.

Fonte: Instituto Teológico Franciscano